Julgamento e morte de Maria Antonieta, a última rainha da França – Parte IV

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Parte IV – Conclusão.

Executada ao meio dia de quarta-feira, 16 de Outubro de 1793, entre os brados de uma multidão eufórica, Maria Antonieta de Habsburgo-Lorena tornara-se uma espécie de não-ser depois de sua morte. As pessoas que ali estavam para prestigiar o espetáculo de ver uma rainha da França decapitada, rapidamente se dispersaram, enquanto o corpo e a cabeça da vítima permaneciam insepultos no cemitério da Rue d’Anjou,  esperando que outros cadáveres se juntassem ao dela para que fossem enterrados em conjunto (ZWEIG, 1981, p. 440). Com efeito, esse intervalo de tempo permitiu com que a futura Madame Tussaud esculpisse em cera o rosto sem vida da soberana. Só em 1 de Novembro (um dia antes de Antonieta completar 38 anos), foi que os restos mortais da viúva Capeto encontraram breve repouso, numa tumba não identificada. Os coveiros, por sua vez, não hesitaram em enviar à secretaria cívica os custos de seus serviços: pelo caixão, 6 livres; pelo túmulo e força de trabalho, 15 livres e 35 sous. Quanto aos demais objetos da ex-rainha deixados na prisão[1], estes foram divididos entre as presas da Salpêtrière (FRASER, 2009, p. 486-487).

Máscara mortuária de Maria Antonieta, esculpida em cera pela futura Madame Tussaud a partir do rosto sem vida da própria rainha, em 1793.

Máscara mortuária de Maria Antonieta, esculpida em cera pela futura Madame Tussaud a partir do rosto sem vida da própria rainha, em 1793.

Em seguida, instalou-se na França a fase do terror, e a população estava muito mais preocupada em salvar-se do que dar enterro digno a quem não lhes era querida. Os franceses haviam se esquecido de sua antiga soberana, bem como as demais cortes Europeias. A família dela na Áustria, apesar de vestirem o luto pesado, logo parou de pronunciar o nome da mesma, pois o fato de terem deixado sua parenta à própria sorte foi visto pelas outras potências como um ato de covardia. “Dignaram-se, contudo, aceitar os diamantes que Maria Antonieta confiara um dia a Mercy, e também acolheram a jovem princesa sua filha, em troca de comissários republicanos prisioneiros” (ZWEIG, 1981, p. 441). Após a morte da mãe, Maria Tereza permanecera cativa no Templo juntamente com sua tia, Madame Elizabeth, sem saberem que a rainha tinha sido decapitada. Isso a irmã de Luís XVI só descobriria pouco antes de sua própria execução, em maio de 1794 (FRASER, 2010, p. 489). Não obstante, morreria sem ter conhecimento da última carta que a cunhada lhe escrevera, pois este item fora confiscado na Conciergerie pelo acusador público Fouquier-Tinville, e depois entregue pessoalmente às mãos de Robespierre (BERTIN, 161).

Quanto ao Delfin Luís Carlos, que após a morte do pai fora aclamado pelos monarquistas como Luís XVII, seu destino é ainda mais misterioso. De acordo com os registros do período, ele morrera em 8 de junho de 1795, de uma “moléstia inescrupulosa”. Isso não impediu, porém, que muitos falsos Delfins aparecessem no início do século XIX, para tormento de Maria Tereza, que nunca mais o vira desde que este fora tirado dos braços da mãe, em 1793 (LEVER, 2004, p. 343). Entretanto, com a tecnologia moderna, foi possível derrubar mais esta falácia: amostras do coração do menino, que descansa em uma urna de cristal em Saint-Dennis, foram coletadas para exame de DNA mitocondrial, feitos em dois laboratórios distintos, na Bélgica e na Alemanha. Em abril de 2000 “foi anunciado que as sequências eram ‘idênticas’ às de Maria Antonieta, de duas irmãs suas e de dois parentes vivos pelo lado materno” (FRASER, 2009, pag. 491). Nas palavras do Duque D’Anjou (atual representante da linha real Bourbon espanhola), numa coletiva de imprensa: mais uma vez “a ciência veio resgatar a história” derrubando este mito.

Coração do Delfin Luís Carlos (Luís XVII), preservado em uma urna de cristal na catedral de Saint-Dennis.

Coração do Delfin Luís Carlos.

A fase do terror da revolução Francesa deixara inúmeras vítimas, entre elas seus próprios instigadores, como Robespierre e Danton, além do acusador público Fouquier-Tinville e Hérbert (redator-chefe do jornal Le Père Duchesne, que fornecera ao Tribunal a declaração de incesto da rainha com seu filho). Todos eles sofreram a justiça da guilhotina alguns meses depois de mandarem a ex-rainha para seu fim (ZWEIG, 1981, p. 437). Com efeito, Maria Antonieta se julgava inocente de todos os crimes a que fora acusada, uma vez que, para ela, seus atos justificavam-se na tentativa frustrada de salvar a monarquia absolutista. “Hoje, porém, graças à abundância de material de arquivo, sabemos que ela efetivamente era culpada de alta traição ao divulgar os planos franceses de ataque militar.[2] No entanto, embora a acusação dos republicanos fosse justificada, não foi provada. Não foi apresentada nenhuma prova de traição. Juridicamente, o julgamento foi iníquo. Mas essas considerações mal perturbaram os membros do júri” (LEVER, 2004, 337).

Em 1993, ano que marcou o bicentenário da morte da última rainha da França, uma espécie de plebiscito foi organizado na Place de La Concorde (no lugar exato onde ela fora guilhotinada), com a encenação de uma peça sobre a vida de Maria Antonieta e seu julgamento.[3] Em seguida, as pessoas votaram pelo destino dela: alguns optaram pelo exílio, outros pela prisão perpétua, e houve gente que, mesmo à luz das provas, escolheu a execução. Ficara claro, então, que a filha dos césares, “considerada recentemente, ao lado de Napoleão, ‘o personagem mais famoso de toda a extensão da história francesa de Joana d’Arc a Charles de Gaulle’, continua a ter os seus admiradores apaixonados e os seus detratores igualmente fervorosos” (FRASER, 2009, p. 496).

A filha de Maria Antonieta e Luís XVI, Maria Tereza - única sobrevivente do Templo (por: Heinrich Friedrich Füger, depois de 1795).

A filha de Maria Antonieta e Luís XVI, Maria Tereza – única sobrevivente do Templo (por: Heinrich Friedrich Füger, depois de 1795).

Por falar em Napoleão Bonaparte, em 1810 ele foi pedir à casa de Habsburgo uma arquiduquesa para contrair segundas núpcias. Tratava-se Maria Luísa, neta de Maria Carolina de Nápoles, irmã favorita de Antonieta. Mas ela, à semelhança de outros membros de sua família na Áustria, nunca se preocupara em saber onde estava sepultada sua tia-avó. Só com a restauração dos Bourbon, em 1815, é que essa questão finalmente se resolve (ZWEIG, 1981, p. 444-445). Com a ascensão de Luís XVIII (irmão de Luís XVI) ao trono, fora dada uma ordem de busca pelos restos mortais dos monarcas, sepultados no cemitério da Rue d’Anjou. O corpo de Maria Antonieta fora encontrado primeiro, já bastante deteriorado devido à cal viva. Porém, segundo o relato de um dos membros da equipe de inspeção, a cabeça dela ainda estava inteira, reconhecível especialmente pelo seu lábio Habsburgo. Destarte, as ligas elásticas que ela usava no dia de sua execução, além de um pouco de cabelo, estavam perfeitamente preservados. Os remanescentes humanos do rei, por sua vez, foram descobertos no dia seguinte (FRASER, 2009, p. 492).

Depois disso, ambos foram novamente sepultados na catedral de Saint-Dennis, com toda a pompa e cerimonial dignos de um rei e rainha da França. Uma escultura, localizada no recinto principal da catedral, representa uma versão idealizada do casal real em oração:

“Luís XVI coroado em seu genuflexório, eleva os olhos, nobre e até bonito, como se ‘o filho de São Luís’ estivesse mesmo prestes a ascender aos céus. Maria Antonieta, esculpida com o vestido decotado e de cintura alta de um período posterior, usando colar e brincos e uma longa touca de renda, ajoelha-se submissa ao seu lado, com os olhos voltados para o chão” (ibidem, pag. 493)[4].

Por fim, alguns critérios condizentes aos trajes que Maria Antonieta usara no dia de sua execução merecem ser esclarecidos. Muitos interpretaram o fato de ela trajar um vestido branco como uma mensagem antirrepublicana, já que aquela era um cor especialmente ligada à monarquia. Todavia, seu estoque de roupas era bastante limitado na prisão da Conciergerie, e como não lhe permitiram subir ao patíbulo envergando o preto do luto, então a única opção que lhe restara fora àquela simplória camisola, que, a despeito de seu caráter singelo, passou uma mensagem bastante simbólica para os adeptos do antigo regime.

Marie Antoinette's tomb

Túmulo de Maria Antonieta na cripta dos Bourbon (Catedral de Saint-Dennis).

Com efeito, a historiadora da moda, Caroline Weber, faz uma analogia bastante interessante sobre o branco das roupas da última rainha da França, ao defini-lo, na conclusão de sua obra, como um elemento que sempre estivera presente na vida de Maria Antonieta. São de Weber as palavras que se seguem (2008, p. 321): “Branco, a coexistência simultânea de todas as cores: o azul e vermelho revolucionários, o violeta e o verde monarquistas. Branco, a cor dos cachos que ela viu o carrasco enfiar no bolso quando a tosquiava para prepara-la para sua sina. Branco, a cor do martírio, do céu, da vida eterna. Branco, a cor de um fantasma belo demais, ou pelo menos obstinado demais, para morrer. Branco, a cor das páginas em que sua história foi – e será –escrita. Muitas e muitas vezes”.

Referências Bibliográficas:

BERTIN, Claude (org.). Os Grandes Julgamentos da História: Maria Antonieta/ Marechal Ney. – São Paulo: Otto Pierre, Editores.

FRASER, Antonia. Maria Antonieta. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2009.

HASLIP, Joan. Maria Antonieta. Tradução de Eduardo Francisco Alves. – Rio de janeiro: Zahar, 1989.

LEVER, Evelyne. Maria Antonieta: A última rainha da França. Tradução de S. Duarte. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

WEBER, Caroline. Rainha da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. Tradução de Maria Luiza X. De A. Borges. – Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

ZWEIG, Stefan. Maria Antonieta. Tradução de Medeiros e Albuquerque. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.


[1] Algumas camisas de linho, roupa para lavar, dois pares de meias pretas, uma touca de fustão, além de mais algumas fitas e um pouco de pó-de-arroz.

[2] Quando, no julgamento do dia 15, a testemunha Jean-Fréderic La Tour du Pin revelara que Maria Antonieta lhe perguntara sobre a situação do exército francês, esta de fato enviara tais informações (em mais de uma ocasião) através de correspondência secreta ao Conde Mercy, que, por sua vez, as repassara para o Imperador Leopoldo (BERTIN, p. 127-129).

[3] Je m’apellais Maria Antonieta (Eu me chamo Maria Antonieta), de André Castelot e Alain Decaux, e produzida por Robert Hossein (FRASER, 2009, p. 496).

[4] O túmulo propriamente dito dos soberanos, entretanto, se encontra a alguns andares abaixo do prédio, na cripta dos Bourbon.

32 comentários sobre “Julgamento e morte de Maria Antonieta, a última rainha da França – Parte IV

  1. Não havia necessidade de guilhotinarem Maria Antonieta e Louis XVI, bastava prenderem, deportarem.Foram sádicos demais. Todos algozes pagaram com a vida.Também guilhotinaddos. Justiça Divina.

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    • descance em paz Maria Antonieta deus nosso pai soberano derame sobre maria Antonieta suas benção e librala de qualque sofrimento pai eterno do céu .pai nosso que estais no ceu santifica seja vosso nome a venha a nos o vosso reino seja feita sua vontade assim na terra como ceu .o pão nosse de cada dia nos dai hoje pernos nosssa ofensas assim como nos perdoamos a quem nos tem ofendido livrai nos do mau amém desca-ce em paz minha querida rainha Maria Antonieta amém…

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    • Não parece o mesmo que fizeram com o último czar da Rússia e sua família inteira?
      Os revolucionários, a Esquerda violenta e assassina já existiam naquela época: jacobinos e girondinos.

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  2. Foram crueis demais e covardes, ela não precisa ter tido um final desses, ninguem merece!!!

    Foram podres e desumanos demais fazendo isso a ela, ela não merecia isso!!!

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  3. Renato

    Realmente foi um julgamento de fachada, cheio de armações até mesmo grosseiras.
    Mas eu pergunto por que sua cabeça foi necessária para o triunfo da Revolução. Já li que o que motivou a morte dos reis foi a tentativa de fuga de ambos.
    Foi isto mesmo ?

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    • Não exatamente. A tentativa de fuga de Luís XVI e Maria Antonieta contribuiu muito para o desprestígio dos monarcas perante a população, mas o que pesou mesmo foi a guerra franco-austríaca na fronteira e subsequente descoberta de certos documentos que comprovavam a participação do rei em conchavos com as potências estrangeiras, o que constituía um ato de traição. Sob Antonieta pesou a mesma culpa.

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  4. Lendo sua biografia escrita por Stefan Zweig. Muito boa! Como foi dito nos comentários, o destino de Maria Antonieta fora selado e contra isso nada poderia ter sido feito, advogados, juízes entre outros já estavam com o resultado pronto. Os revolucionários franceses usaram de todas as ‘mediocridades’ da rainha para sentenciá-la. Penso que não precisariam guilhotiná-los, contudo, a revolução acabou por engolir seus próprios filhos. Uma grande história, sem dúvida, parabéns pela página e obrigada por me adicionar!

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  5. Emblemática historia real! Gostanva de saber mais sobrea sua história e seus descendentes!
    Será que foi descendente de povos portugueses, apesar de ter nascido na Austria? Preciso saber mais acerca desta Rainha…

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    • É possível encontrar portugueses na árvore genealógica de Maria Antonieta, como, por exemplo, a infanta Isabel de Avis, esposa do imperador Carlos V.

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    • Bernadete, as joias da rainha ficaram em posse de sua família na Áustria até serem devolvidas à sua filha, Maria Teresa. Hoje, grande parte desse conjunto está exposto em Versailles e outros museus pela Europa.

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  6. O público estava sedento por sangue e odiavam a Monarquia, infelizmente Maria Antonieta e Luis XVI pagaram por crimes que não cometeram para saciar o ódio que a população nutria, graças a Robespierre, mas, ele também recebeu o que merecia e de certo modo a justiça foi feita para os monarcas.

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    • Grande Maria Antonieta que Deus livre seu Espirito e que ele caminha na luz no Amor eternamente E perdoa esse povo sem amor revolução da França foi um julgamento de faça que mataram vc e seu pai Muito horroroso esse fim Tamanha mediocridade.sem defesa

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    • Nunca li nada a respeito disso. Os corpos de Luís XVI e Maria Antonieta foram sepultados em covas bem fundas. As roupas que eles usavam ajudou na identificação dos corpos. Além disso, foi registrado que a cabeça de Antonita estava preservada.

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    • Maria Luisa da Áustria, que casou-se forçada, sob os canhões de Napoleão Bonaparte, era irmã de D. Leopoldina do Brasil, portanto, nunca foi a irmã predileta de Maria Antonieta. Esta, era tia-avó das duas. Pode-se ler em “Cartas de Uma Imperatriz” que D. Leopoldina tinha muito medo de que acontecesse com ela, o mesmo que aconteceu com sua tia-avó.

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  7. Até hoje ainda não entendi porque eles foram mortos, ja que no filme ela é uma rainha de coração muito bom. Afinal ela foi decaptada porque? Alguem pode me dizer?

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    • Como produto da ficção que se baseia na história, um filme altera os fatos para tornar o enredo mais agradável ao público. Maria Antonieta foi julgada culpada por crimes contra a Nação e, assim como seu marido, foi executada. As mortes dos reis representaram a derrubada de um dos símbolos do antigo regime deposto, a monarquia.

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    • Li alguns livros sobre as Revoluções burguesas , o fim do Antigo Regime . A biografia da Maria Antonieta, escrita por Stefan Zweig é comovente – uma história e tanto! Sem dúvida, a queda da monarquia absolutista ocorreria de qualquer maneira para ceder lugar a outras formas de imperialismos. Entretanto, os rumos tomados pela Revolução Francesa foram, de fato,’tenebrosos e violentos’! Há muito o que considerar e refletir sobre o assunto. Obrigada pela oportunidade!

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