A cripta imperial: crônica de uma visita aos túmulos de D. Pedro I e Dona Leopoldina!

Por: Remato Drummond Tapioca Neto

A morte, de uma forma peculiar, sempre foi objeto de fascínio na mente humana, curiosa por saber o que acontece depois que se dá o último suspiro. Uma sala ou quarto antes ocupados por personagens ilustre do passado revelam marcas de seus antigos habitantes, assim como objetos que lhes pertenceram nos mostram detalhes preciosos sobre seu cotidiano. De maneira análoga, um túmulo, mesmo que imerso no silencio de uma cripta, pode nos contar uma porção de histórias e esclarecer algumas perguntas, desde que tenhamos bom senso e perspicácia para se entender os questionamentos levantados acerca do item em questão. Fascinado por essa compreensão, resolvi no dia 04 de dezembro de 2012 fazer uma visita ao museu do Ipiranga, em São Paulo, no intuito de levantar aspectos pitorescos sobre a vida de Dona Leopoldina, a matriarca do Império do Brasil. Minha ansiedade, contudo, havia ficado ainda mais acentuada quando me confrontei com o fato de que bem em frente ao museu se encontra o mausoléu que guarda os restos mortais de D. Pedro I e de suas consortes.

Renato Drummond ao lado do retrato de D. Leopoldina e seus filhos, pintado por Domenico Failutti.

Renato Drummond ao lado do retrato de D. Leopoldina e seus filhos, pintado por Domenico Failutti.

O passeio, que durara aproximadamente duas horas, me trouxe um novo olhar para a vida da realeza na fase do primeiro reinado (1822 – 1831), principalmente sobre a trajetória e os dissabores daquela arquiduquesa austríaca, que aportou no Brasil em 1817 cheia de sonhos e esperanças e que pouco tempo depois iria lamentar seu destino num país cujos costumes eram tão diferentes dos seus. Para celebrar o aniversário de 186 anos de sua morte, deixo aqui o relato de meu passeio, que começou nos belos jardins do museu do Ipiranga e terminou ao lado do túmulo da Imperatriz Leopoldina de Habsburgo-Lorena. Minha emoção foi tamanha, que planejava publicar esse texto no dia mesmo em que fiz a visita. Porém, pensei que seria melhor adiar a postagem para hoje, já que é um dia muito lembrado por pesquisadores e biógrafos, quando a morte de uma mulher foi suficiente para desmoralizar um homem visto  até então como o salvador da pátria; aquele que libertou o povo brasileiro do domínio de Portugal e que nos deu uma constituição duradoura e muito eficaz, durante os anos em que vigorou.

A manhã do dia 04 de dezembro estava calma, perfeita para um passeio no bairro do Ipiranga, no centro da maior capital do país. A cidade de São Paulo esconde inúmeros tesouros desconhecidos pela maioria da população e um deles é o Museu Paulista da USP, também conhecido pelo nome do bairro onde se localiza. Projetado por Tommaso Gaudencio Bezzi e inaugurado em 1895, sua construção harmoniosa apresenta paredes externas em tons pastéis, rodeadas por belos jardins que, por sua vez, oferecem um aspecto pitoresco ao local. Assim que adentrei no recinto, fui logo confrontado com uma imensa estátua de D. Pedro I, medindo aproximadamente 3m de altura. Confesso que fique fascinado pelo monumento, principalmente pela pose heroica exibida pelo imperador. Logo me veio na cabeça como não só os retratos pintados ressaltam o que haviam de melhor nas pessoas, mas também as esculturas revelam as intensões do artista em esconder as fragilidades do modelo em questão.

Encantado por aquela enorme figura, quis dar uma caminhada pelos corredores térreos do museu, a procura de algo interessante para o blog Rainhas Trágicas. Iniciando minha jornada do Saguão principal para a “Ala História do Imaginário”, observei de galeria em galeria todas aquelas imagens que tinha visto antes nos meus livros de História do ensino fundamental e médio: paisagens do Brasil quinhentista; índios botocudos em contato com o português colonizador; retratos de bandeirantes, como o de Domingos Jorge Velho, pintado por Benedito Calixto; cenas da vida cotidiana; e uma excelente maquete da cidade de São Paulo do século XIX. Já no corredor esquerdo do andar térreo, conhecido como “Galeria Universo do Trabalho”, havia ao lado da loja de souvenirs alguns modelos de carros de serviço público, que rodavam o Brasil entre os anos de 1890 – 1920. O subsolo do museu, por sua vez, abriga uma extensa coleção de objetos de uso cotidiano, como ferros de passar (daqueles feitos aquecidos com carvão em brasa) e alguns bustos esculpidos dos principais personagens de nossa história.

Mecha de Cabelo - consta ter pertencido a D. Leopoldina, e foi guardada pela Marquesa de Valença.

Mecha de Cabelo – consta ter pertencido a D. Leopoldina, e foi guardada pela Marquesa de Valença.

Terminado essa primeira parte da visita, logo quis ir para as grandes escadarias frontais, onde a estátua de D. Pedro estava. Ao subi-las, reparei que nos corrimões estavam posicionadas de forma estratégica várias esferas de vidro, contendo amostras de águas dos principais rios brasileiros. Fiquei maravilhado com tudo aquilo e um pouco decepcionado pela pouca quantidade de pessoas prestigiando todo aquele patrimônio, que a cidade tinha para oferecer. Assim que terminei de subir as escadas, sabia que na próxima sala, chamada de “Salão Nobre”, encontraria o famoso quadro do Grito do Ipiranga, pintado por Pedro Américo, medindo 4,15 m de altura e 7,60 m de largura. Impressionante! A imagem mais mentirosa sobre a independência do nosso país em proporções gigantescas. Todavia, mais impressionante ainda foi a tela póstuma de Domenico Failutti, retratando D. Leopoldina com seus filhos. Saíra de casa a procura de vestígios da primeira imperatriz e finalmente encontrei um de seus quadros mais belos, mostrando-a feliz e rodeada por suas crianças. Os filhos eram o único conforto de Leopoldina diante das infelicidades que sofria ao lado do marido.

Monumento ao Centenário da Independência.

Monumento ao Centenário da Independência.

Passei cerca de cinco minutos analisando a obra de Failutti, já exposta aqui em textos anteriores, até que minha irmã, que estava a me acompanhar neste passeio, me chamou a atenção para uma cristaleira em formato de mesa onde estavam expostas várias mechas de cabelo e entre elas a da nossa imperatriz. Os fios louros teriam sido guardados pela marquesa de Aguiar, que era dama de honra de Leopoldina, e agora estavam expostos juntamente com outros cachos, supostamente pertencentes a D. Amélia de Leuchtenberg, D. Teresa Cristina e à princesa Isabel, respectivamente. Como não sabia se voltaria ao museu em uma data próxima, me veio a vontade de fotografar aquela relíquia, mesmo sendo contra a política do estabelecimento. De uma maneira disfarçada, consegui capturar com o celular uma imagem não vista até agora por mim em inúmeros sites e blogs da rede, repletos de imagens clandestinas do interior do local. Decidido a guardar aquela lembrança, me arrisquei e tirei uma foto do que eu queria, sem ser surpreendido por qualquer guarda.

Portão Inferior da capela Imperial vandalizado.

Portão Inferior da capela Imperial, vandalizado.

Estava em estado de êxtase: não só tinha conseguido uma fotografia da mecha de cabelo de D. Leopoldina, como também posara ao lado de um dos retratos mais famosos da mesma. Depois de me despedir do “Salão Nobre”, fui conhecer as outras galerias do museu, onde encontrei peças de roupas, móveis (cadeiras, cabeceiras de cama, mesas, armas), etc. Todos perfeitamente preservados e ao alcance de qualquer um que tenha interesse. São tantos os itens do recinto, que seria quase impossível contemplá-los em uma única hora. Mas, pelo menos, consegui visitar todas as exposições e assinar no livro de visitas, localizado no Saguão de entrada. Mas, minha jornada não havia terminado. Sabia que tinha mais um lugar que eu precisava ver e que, por sorte, não ficava tão distante dali: o monumento ao centenário da independência, em cujo interior estavam os túmulos do nosso primeiro imperador e de suas duas esposas.

A impaciência me tomara por completo! Queria logo poder estar de perto de uma das soberanas que mais admiro na história mundial. A caminhada do Museu do Ipiranga ao monumento em frente durou pouco mais de 10 min, pois aproveitei para tirar mais algumas fotos para um álbum pessoal. Quando cheguei, escalei todos aqueles degraus, a fim de poder examinar de perto cada detalhe ricamente trabalhado naquela construção, com suas estátuas em alto relevo  de cenas da história brasileira. Na parte da frente do monumento, encontram-se duas escadarias (uma no lado direito e outra no lado esquerdo), que dão acesso aos portões da capela imperial. Infelizmente, um deles, que ostenta a coroa de Pedro I encalhada, estava riscado por um material semelhante ao giz, com palavras desconexas, que em muito degradavam o conjunto da obra. Assim que vi aquele estrago, senti a necessidade de me posicionar diante de tamanho ato de vandalismo e por isso deixo aqui meu protesto, ressaltando a necessidade de se haver maior respeito por parte das pessoas ao patrimônio cultural.

Detalhe da Inscrição que marca o repouso final de D. Amélia de Leuchtenberg.

Detalhe da Inscrição que marca o repouso final de D. Amélia de Leuchtenberg.

Cansando de tanto postergar minha entrada ao edifício, resolvi me adiantar, pois meu tempo já estava se esgotando e depois dali teria outros compromissos. O interior do monumento é todo climatizado e revestido de paredes brancas, onde podemos ver alguns letreiros com curiosidades e fatos sobre os principais personagens do processo de independência do país. No centro do mesmo, há uma extensa escadaria que desce cerca de 5 metros até o chão, onde há um magnífico santuário de mármore escuro, com detalhes em bronze dourado. Depois de descer totalmente as escadas, então o visitante estaciona diante de um portal lacrado por uma corrente. Do lado esquerdo da cripta está o imponente túmulo de D. Pedro e, marcado na parede ao lado, uma inscrição indicando o de D. Amélia de Leuchtenberg (sem quaisquer ornamentos, passando quase despercebido aos olhos). No centro, um genuflexório com um altar e bem encima deste o brasão de armas do império do Brasil. Do lado direito fica a tumba de Leopoldina, construída de forma idêntica à de seu marido.

Túmulo de D. Pedro I.

Túmulo de D. Pedro I.

Os restos mortais de D. Pedro I foram transladados de Portugal para o Brasil em 1972 (seu coração, porém, ficara depositado em um relicário na igreja da Lapa, na cidade do Porto), e sepultados em frente aos de sua primeira esposa. O corpo de D. Leopoldina finalmente encontrou um esplêndido repouso, digno da importância que ela desempenhou na política brasileira. Para que ninguém adentre no interior da capela, há a corrente que impede a passagem e no teto várias câmeras de segurança.  Sem me importar com os avisos, prestes a cometer um ato de ousadia: queria tirar um foto ao lado da tumba da Imperatriz. Esperei que os demais visitantes se dissipassem e aproveitei o momento para passar por debaixo das correntes e posar ao lado do que sobrou daquela grande mulher. Em cerca de três segundos, fui e voltei, sem ser percebido por ninguém, exceto pelas câmeras que a tudo registravam. Sabia que poderia ser notificado por invasão de patrimônio público, mas naquele momento estava determinado a conseguir aquela foto, e de fato a obtive.

Renato Drummond ao lado do Túmulo de D. Leopoldina.

Renato Drummond ao lado do Túmulo de D. Leopoldina.

Na saída da Capela Imperial, tudo estava tranquilo e nada de mais me aconteceu. Dei então continuidade à programação do dia sem qualquer deslumbramento. Ao chegar em casa, parei para refletir sobre tudo o que fizera e foi quando a ficha caiu: estive ao lado de D. Leopoldina. Violara o silêncio e a frieza de sua cripta para lhe prestar homenagem. A partir daí, me veio na cabeça todas as passagens de livros que li sobre a vida dela, suas cartas repletas de pedidos ao pai, o imperador Francisco I da Áustria, e à irmã, Maria Luisa, a quem tanto amara. Fui fisgado então por uma emoção que no momento da fotografia eu não sentira, pois aquela rica sepultura, calada e imersa na escuridão me contara em poucos segundos toda a desventura de uma vida. A verdadeira epopéia da princesa austríaca que veio para o Brasil para se casar com um príncipe português e acabou se tornando soberana consorte de um império!

Referências Bibliográficas:

KANN, Bettina; LIMA, Patrícia Souza. D. Leopoldina: cartas de uma imperatriz. – São Paulo: Estação Liberdade, 2006.

OBERACKER Jr., Carlos H. A imperatriz Leopoldina, sua vida e época: ensaio de uma biografia. – Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973.

14 comentários sobre “A cripta imperial: crônica de uma visita aos túmulos de D. Pedro I e Dona Leopoldina!

  1. Rapaz…

    Que texto repleto de emoção!

    Eu, como amante da história imperial e devotado servidor da Imperatriz Leopoldina, me senti imensamente feliz por perceber que existem pessoas que reconhecem a importância de uma figura tão fascinante e significativa para a nossa história como a da nossa primeira soberana.

    Invejo sua sorte! Queira Deus eu, um dia, possa também, realizar este sonho!

    Parabéns – pelo texto, pelo blog, pelo passeio, pela coragem… e pelo amor à nossa primeira Imperatriz!

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    • Olá Leonardo!
      Muito obrigado pelo seu interesse. Também fico extremamente feliz em saber que uma figura tão importante como a nossa Imperatriz D. Leopoldina, mesmo tantos anos após sua morte, ainda mantém ativo o respeito de muitos brasileiros. Enquanto existirem pessoas assim, sua memória continuará bem viva. Em breve estarei postando mais textos sobre ela. Abraço!

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  2. Renato,
    Visitei o Museu do Ipiranga há anos atrás, e confesso que fiquei decepcionada com o pouco que tem da Imperatriz Maria Leopoldina em contraste com os pertences da Marquesa de Santos.
    O que dizer sobre isso? Nosso país é realmente muito pobre em relação a nossa história.
    Adorei sua homenagem!!
    Abraços.

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    • Muito obrigado, Poliana. De fato, os itens relacionados a D. Leopoldina no Museu do Ipiranga são poucos. A maioria está no Museu Histórico Nacional e no Museu Imperial de Petrópolis. Ainda espero um dia poder ir neles rs 😉 Abraço!

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  3. Que máximoooo! Adorei o texto, me identifiquei com as palavras, o sentimento por essas pessoas, as sensações provocadas pelo passeio… Queria imitar tudo! kkkkk
    Parabéns pela página, pelo resgate e preservação de uma parte maravilhosa da nossa história! Amo Leopoldina!

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  4. Renato,

    Amo história, especialmente a vida de D.Leopoldina, a quem muito devemos. Antes olhava somente seu lado depressivo e sofredor. Hoje enxergo uma mulher, que sofreu como todas as princesas que se casaram para perpetuar o poder de suas famílias, mas que foi forte e necessária para nosso país, pois tinha uma visão maior e sabia das responsabilidades de sua posição. Além do mais, nos deixou como herança um homem magnífico que foi D.Pedro II. Vou visitar São Paulo e gostaria muito de deixar uma rosa em seu túmulo, mas infelizmente o Museu do Ipiranga está fechado a muitos anos. Pena para o povo do Brasil, que precisa conhecer e valorizar mais sua própria história. Obrigada pelo seu relato tão minucioso e emocionado.

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  5. Parabéns por seu relato repleto de detalhes e de tamanha emoção.
    Ela sim foi nossa imperatriz que governou e amou nosso país.
    Sempre que leio algo a seu respeito, fico entusiasmada e tomada de sentimentos e envolvida em emoções.
    Grata, muito grata por tudo.
    Bju
    Luciana Deltrejo

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  6. Simplesmente…Maravilhoso…Bem escrito , Bom Roteiro , Fácil de Entender e Envolvente…Parabéns pra Vc e Equipe .
    Ah…Volte a escrever .

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  7. Que bonito e lindo passeio.
    Os relatos expostos nesse texto me fizeram ir às lágrimas e me trouxe a uma imensa curiosidade que conhecer o Museu…obrigada!

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  8. Já visitei esse patrimônio da nossa cultura, amei o lugar lindo, remete muito a época do Brasil império, e seu parque na parte de trás, e tbm logo a frete a casa do grito, que se localiza na parte da frente do museu, mais sentado ao dado e abaixa o monumento ao grito do impiranga que é tbm o mausoléu do nosso Imperador.

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